26.12.06

Conto Atrasado de Natal Durante as Minhas Férias em Picapiroca do Norte

Ah, minha terrinha natal, quanta saudade! Aproveitando as festas de fim de ano (ainda mais comemorando o final de um ano que não deixará a menor saudade), a patroada me deu uma folga e dei uma espichada até a minha gloriosa terra natal, a bucólica cidade de Picapiroca do Norte.

Esta minha orgulhosa terra natal é original por natureza: ela fica encravada entre as divisas dos estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Espírito Santo. E ela é tão integrada às três Unidades da Federação que nenhum norte-picapiroquense sabe em que estado a cidade está. Ninguém sabe se elegeu ou reelegeu o governador do estado, muito embora a cidade tenha prefeito, o respeitável dr. Orozimbo Tupyguaras, eleito em 2000, reeleito em 2004, filho do não menos respeitável ex-prefeito Oritimbó Tupyguaras, que deixou o cargo em 1997 (um ano depois de ser eleito) por suspeitas jamais comprovadas de compra de votos através de distribuição de dentaduras e transporte de eleitores até as zonas de votação. E dizem que o atual prefeito (sobre o qual pairam algumas suspeitas de distribuir refeições gratuitas mensais - o famoso "pizzalão" - aos vereadores, para que eles fechem o bico, enquanto a população passa fome) lançará o nome do atual vice-prefeito, o sr. Orozimbo Tupyguaras Jr., para concorrer ao cargo nas eleições de 2008. E com grandes chances de ganhar.

Mas voltando à pizza fria, quer dizer, à vaca fria, todo final de ano ocorre a tradicionalíssima decisão da Liga Picapiroquense de Futebol, o Picapirocão. A competição (se não a melhor, pelo menos é uma das maiores do futebol nacional) conta com a participação de 87 equipes, de Picapiroca do Norte e arredores, fazendo com que tenha um alto nível técnico. Na qualidade de pessoa mais famosa (ou a menos anônima, depende de quem lê) da cidade, fui recebido com pompa e desfilei em carro aberto, na charrete do Corpo de Bombeiros local. E ainda tive a honra de dar nome ao troféu da Liga deste ano. Ah, como é chato ser famoso. Mas, enfim...

O campeonato é disputado de forma simplesmente franciscana. Na primeira fase, as 87 equipes se enfrentam em turno único. Depois de um incontável número de rodadas (ninguém teve saco pra contar), se classificaram à segunda fase os 64 primeiros colocados, divididos em oito grupos de oito times cada. No final da segunda fase, todos os 64 times se classificam - a fase é só pra ordenar o mata-mata, onde são divididos em 32 grupos eliminatórios, que se eliminam até a final. Parece complicado - e é mesmo. Mas a gente se acostuma.

No sábado 23, antevéspera de Natal, o Estádio Municipal Oranguó Tupyguaras, o Tupyguarão, esteve com todos os seus 1.500 lugares ocupados para a grande final. De um lado, o Chapetubas Athletic Club, invicto e grande favorito ao título - melhor ataque, defesa menos vazada e o artilheiro da competição, com 37 gols a mais que o segundo colocado. Do outro, o meu time do coração, o glorioso Grêmio Esportivo Picapiroquense, de tantas glórias e tradições, que se classificara na garra depois de ter terminado em último no seu grupo na segunda fase.

Meio-dia, horário previsto para o início do jogo. Calor senegalesco invade o estádio. O GEP entra no gramado na hora marcada, mas o Chapetubas demora um pouquinho pra entrar. Às 12:24, debaixo de vaias, o invicto entra no campo, reclamando de dores de barriga - teriam bebido algo que não lhes fizera bem. Hino nacional tocado, o jogo começa às 12:49, e o calor era ainda mais forte.

Mesmo meio indisposto, o Chapetubas jogou melhor na primeira etapa. Meteu duas bolas na trave, perdeu um pênalti e marcou um gol irregularmente anulado, admito, por impedimento inexistente. Isento o juizão Ornitorrinco Tupyguaras de culpa, mesmo porque ele estava sem óculos e não viu que o atacante Gremba, mega-artilheiro da Liga pelo Chapetubas, estava cinco metros atrás do último zagueiro e do goleiro do GEP. Acontece.

No segundo tempo, o jogo continuou sendo dominado pelo Chapetubas. Mais três bolas na trave, um pênalti escandaloso não marcado e muita luta por parte dos chapetubanos. Aos 39 do segundo tempo, um 0 a 0 insistente, e o mega-artilheiro Gremba sente os efeitos do forte calor e da indisposição estomacal, vomitando no meio do gramado. Teve que ser substituído.

Aos 44 do segundo tempo, porém, o lance que marcou o espírito de garra, luta e resistência do glorioso GEP. O Chapetubas ataca com o atacante Jebão. O ataque é perigoso, mas o zagueiro gepense Aranha lhe tira de forma viril, mas limpamente, a bola, dentro da própria área. Os chapetubanos reclamaram de pênalti, mas o árbitro ainda estava sem óculos. Aranha deu um chutão do campo de defesa e a bola foi parar na meia-lua adversária, onde o atacante e matador Origó Tupyguaras ajeitou a bola e chutou. O goleiro chapetubano Chatran fez milagrosa defesa, mas o grande craque gepense, o bode Celestino, marcou um golaço de cabeça. A bola entrou no gol meio furada, é verdade, mas o gol entrou pra história mesmo assim.

O juizão nem deu acréscimo, encerrando o jogo aos 44 minutos e 53 segundos do segundo tempo. GEP campeão do Picapirocão 2006. Em 57 edições disputadas, 57 títulos conquistados!!! Definitivamente, GEP, és o campeão dos campeões.

O que manchou o torneio e a festa gepense foi a lamentável confusão perpetrada pelos jogadores e dirigentes chapetubanos, que demonstraram total falta de espírito esportivo e queriam partir pra briga. O presidente do clube ameaçou ir à Justiça para tentar anular a partida. Mas o presidente do Tribunal Desportivo Picapiroquense, dr. Onofre Tupyguaras, garantiu que isso não irá acontecer e que a decisão foi "limpa como água".

O prefeito Orozimbo Tupyguaras deu o Troféu Saúvo Carrapatoso ao presidente do clube, o sr. Olegário Tupyguaras, e deu início à festa gepense, que deve estar durando até hoje.

O único senão foi o fato de ter perdido o meu laxante, que caiu na caixa d'água do Tupyguarão, perto do vestiário do Chapetubas. Como na cidade não tem farmácia nem posto de saúde, fiquei com o intestino preso nesses dias todos. De todo modo, volto pra casa com a certeza que, mesmo não tendo passado por aqui devido à crise dos nossos aeroporcos, Papai Noel nos foi bem generoso neste final de ano. E que venha 2007!!!

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